quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Desenhistas, artistas e estudiosos de Histórias em Quadrinhos numa Feira do Livro de Porto Alegre

"Ler e escrever" é armazenar e transpor: muita coisa acontece entre uma coisa e outra, se anota, se projeta, se realiza – ou não. Eventualmente emitimos mensagens mobilizando essas observações, pedindo palpites, que não raro demoram. Mas como publicar também é preciso, faço uma consideração estética para inserir relato de evento (cujos momentos iniciais o blogue teria transmitido via web) I Encontro Internacional de Jornalismo em Quadrinhos, que penso oportuno para alguns interesses em arte e comunicações, educação e política, mesmo que os debates entrem eventualmente no mérito da organização tradicional de uma empresa jornalística ou revista, e que minha síntese os abreviem bastante, refletindo enfoques que não deveriam ser tomados como simplesmente pessoais. A verdade é que estou devendo também no sentido de programas de intercâmbio, após uma falha grave com um raro e precioso evento neste sentido, a bem sacada e bolada Olimpíada de Filosofia no Estado, muito basicamente agendando e difundindo eventos culturais, não só passados como vindouros (como esta feira do livro anarquista começando amanhã!). Façam suas escolhas, seus “investimentos”, aprendendo com o(s) ato(s) falho(s). Me sinto eternamente obrigado a ser agradecido pelo apoio de quem eu deveria ter apoiado e protegido, e a seguir lutando contra a desmemória e a covardia.

(As fotografias acima são de uma I Bienal de Histórias em Quadrinhos do RJ, 1991, com Carlos Ferreira, Walter "Pax" Jr., Vinícius Martins, Ethon Fonseca e Moacir Martins)

Escolher e tocar discos?

Quem curte uns sons sabe quanto que essas coisas tem hora, gostos não são estanques, se constituem com repertórios, em todo um processo organizativo. Montar a sua listagem musical, buscar a vibração, é diverso de engolir o que se empurra na primeira esquina ou pergunta sobre o teu estilo de consumo, a tua preferência. Falar dessas vivências é outra habilidade, que poderia ir muito além dos mercados e suas fronteiras fazendo alguns ouvidos de pinico, ou pior, se furtando até mesmo ao digno corpo-a-corpo humano de um espaço sonoro. Se convencer é infecundo, como teria apontado Walter Benjamin, memória e história seguem sendo reelaboradas até ao remontarem a fontes (ou conhecendo Júlio José Chiavenato na biblioteca, que parece ter seu As lutas do povo brasileiro (editora Moderna, São Paulo), no mínimo) e até por linhagens poéticas cruzando informações refletidas e contextualizados dados, em rios dos objetivos mais sensacionais para um humanismo contemporâneo. A palavra segue prisma das luzes lançadas sobre o futuro, política, liberdade e conjunto de boas escolhas em vigor e/ou andamento, escrevendo, constituindo canais itinerantes dos roteiros modernos até de encenações visuais, até de cantilenas das quais não escapamos.

Imprensa modernista

Estive frequentando o I Encontro Internacional de Jornalismo em Quadrinhos onde reencontrava gente boa e conhecia alguns viajantes, como algum pós-graduado, com currículo próprio em “Jornalismo Literário”, que me lembrou a curiosa associação entre as linhas de imprensa que pretendem revelar um processo de produção (um “novo jornalismo” de Gay Talese, Capote, etc.) e a denúncia cinematográfica de um “Tropa de Elite II” descrevendo processos de formação de grupos que disputam o poder e da guerra pela sua manutenção (Gay Talese puro, segundo o amigo Gibran T. Dipp (http://bogart-e-bobagens.blogspot.com/), e deve ser mesmo, admirando por rede social o “trazer pra arte mais vida e realidade, sempre complexa, do que os filmes normalmente querem mostrar”). Ricas indicações e leituras, que tanto ajudam a entender, é o que vamos angariando e fazendo acontecer nas escolas (e pelas pretensões de vida mais ativa e ação mais consequente), ou não?

O espião que amava a cidade

Cheguei no debate sobre ficção ou não-ficção, com dois artistas mui distintos, um retratando o seu olhar das ruas e localidades diversas das cidades, incansavelmente, o outro cético quanto à possilidade dessas interpretações (ou tantas outras) gerarem registros “não-ficcionais” mais reveladores. Jens Harder tem mais livros publicados, geralmente participando de coletivos, e prêmios, ou mesmo bolsas para projetos, frequentemente apresentados como reportagem em quadrinhos, como no alltagsspionage – comicreportagen aus Berlin, onde contrasta nas faixas/tiras de suas páginas supostas equivalências de lugares, como hotéis da sua cidade, restaurantes, conversando e estendendo aos leitores a conversa e suas viagens. Trabalha frequentando, apurando e depurando em estúdio, o que leva mais um tempo. Outra publicação sua é um panorâmico painel que continua na página seguinte e assim por diante o livro inteiro, sobre uma cidade turística na Suíça, Basel. Onde foi obrigado a emitir um juízo de valor explícito na composição foi quando de um mês em Israel retratando o cenário que três religiões consideram como o coração do mundo, um bilhete premiado, uma passagem para Deus (nome do trabalho: A Ticket to God), inserindo cenas do “impagável” A Vida de Brian sobre a relação de fiéis com o messias “eleito” no caso. Muitos lugares parecem ter histórias conhecidas, disponíveis para quem procura, mesmo em se perguntando casualmente, aliás. Se é preciso diploma de jornalista? Naquele país europeu, diploma é apenas para profissões que lidam com o risco de vida, mas seguramente ajuda para entrar no ramo. Há de se entender demandas e modos de respeitá-las mesmo silenciosamente, ou quando o silêncio é perturbado por ruídos ou falatórios. Com dois expedientes acompanhando por tradutor-intérprete os relatos de Jens Harder, que achei atento e atencioso, curti ineditamente sua pronúncia da língua alemã: a suavidade notável no fôlego, os timbres e ritmos. Universal é o efeito hêêê..., mas dizem que é a dor que ensina a gemer, então faz parte das experiências aqui e ali disponibilizadas, e através de algo que leiga mas interessadamente me parece uma literatura de viajante, salvo que “Reportagem” soa ter o recorte mais específico do que os diversos e sortidos que também se encontram em crônicas, como que sem maior comprometimento ou conceito expressivo. Com a abundância de informações e pautas desencadeadas em proposições artísticas e viagens, o resultado vai ficando crítico, posto serem as sínteses informadas e as conclusões correspondentes, de alguma forma declaradas.
Saio para o intervalo e pego um elevador, cuja porta reabre por conta de um sensor muito abelhudo – tsk, mas que barato esses giros tecno-civilizatórios da aprendizagem, entre vários outros cuidados importantes

“Trabalhar, nós não trabalhemos, né?”

Chovisca ao longo do alto edifício de vidros e ares condicionados, vejo numa pequena área lateral com cheirinho de vegetação, ou talvez de eucalipto mesmo. Por R$ 1,00 se toma um chocolate quente, ou mesmo um capuccino da máquina, essas coisas.
Alguém pergunta se o viés plural e crítico interferiria na verossimilhança ou com os pés no chão da realidade, como que comprando ingenuamente um enredo de “não-ficção”. As tomadas são várias, quase cinematográficas, de lugares e posição, mas parecem ir passando em brancas nuvens. As transposições, os retratos e reflexos praticamente instantâneos de momentos nos desenvolvimentos locais e humanos nos trazem um recorte narrativo de produção relativamente lenta para ritmos jornalísticos.

Mais salas de redação e formas de pesquisa

O tema das temporalidades e dos estilos dramáticos, especialmente enquanto dinâmicas de mídias noticiosas, seria retomado em diversas ocasiões ao longo dos encontros com os brasileiros, que como os italianos enfrentamos simultaneamente embargos de uma rede corporativa de interesseiros dominando o mercado estratégico da informação e uma necessidade profissional por desenvolvimentos de iniciativa. Segundo Aristides Dutra, designer gráfico na Fiocruz, professor, mestre na UFRJ com dissertação sobre jornalismo em quadrinhos, etc. (fazendo um papel de “advogado do diabo”), os quadrinhos que se vem publicando em áreas mais variadas dos jornais, além das próprias charges, tiras e infográficos, como em crônicas, editoriais, reportagens, críticas opinativas e entrevistas, só acontecem e seguirão acontecendo quando o espaço, usualmente ocupado por múltiplas reportagens, ou anúncios, é tomado como vantajosamente aproveitado por uma narrativa em quadrinhos pelo editor, que frequentemente precisa ser convencido, pois sua tarefa é dizer não, e não sim e não, mas, basicamente, não – e, apenas talvez, e eventualmente, pequenos sins. “Tem até notícia nos jornais”, sabemos, mas assim é que funciona... Não esqueceu-se de “Avenida Brasil”, de Paulo Caruso, que semanalmente e em cores, numa revista (Isto É) para amplo público, satirizava acontecimentos políticos com caricaturas em quadrinhos.

o horror “na pele” e o ketchup

Aliás, sabemos que frequentemente os ilustradores não fazem parte de equipes que vão trabalhar em coberturas de guerra, ou no encalço de investigações policiais, embora possam estar autorizados a presenciarem julgamentos onde a entrada de fotógrafos é vedada. Em que momentos seria mais interessante o recurso às narrativas gráficas, para uma “grande imprensa”? Para refletir a experiência atual, com seus “resultados e processos”, como nos lembra Aristides, Felipe Muanis, jovem doutor (Comunicação Social pela UFMG) com experiência profissional e de estudos em ilustração, produções audiovisuais e Mídias Digitais, jornalismo e direção de arte (www.felipemuanis.com), lembra do tema dos interesses despertados pelas cenas mais catastróficas e doloridas, brilhantemente desenvolvido por Susan Sontag em “Diante da dor dos Outros”. A mídia, em suas diversas codificações tacitamente acordadas com o público, e em seus interesses mercadológicos, lida com registros do bom gosto, onde excluem-se expressões de um horror mais cruento, como o de vísceras saindo de vítimas, que simplesmente nos faria estranhar, por exemplo, os anúncios de quétchupe nas páginas seguintes. Em “Gen”, a história de um sobrevivente de explosão nuclear no Japão, as vivências mais torturantes eram descritas claramente, num estilo de cartum, e bastante informativo, passando por um outro registro, por outras formas de veicular a informação, relevante e auto-biográfica. Neste caso também se opera com eventos que não possuem outro registro. A conversa envolve o Spacca (João S. de Oliveira), cartunista e autor de quadrinhos, inclusive biográficos e de época, encontráveis em bibliotecas de Escolas públicas (www.spacca.com.br), e explicações de Aristides sobre tamanhas diferenças do registro jornalístico (“A foto reduz à aparência, e o jornal não está preso a isto!”), mas segue apontando para níveis de verossimilhança e elaborações éticas na lida com imagens, que são comparadas com o texto enquanto reinterpretação desenvolvendo estilisticamente recursos de expressão, subjetividades.
Há muitos mitos blindando a figura do consumidor, como alguém que compra um direito à objetividade, à atualidade informativa, mas que raio de atualização seria essa que envelhece, frequentemente mal, como registro histórico? Ou o registro histórico seria uma outra questão, depurativa, e em outra escala, como sugere Atak (Hans Georg Barber)? Conforme reportagens mais zelosas são produzidas, por exemplo, acredita-se que modifiquem quadros mais dramáticos e instantâneos da TV, em movimentos logrando expressividade que pode nem se pretender “da realidade”, mas abordagem, e de observações que podem, tranquilamente, ser eloquentes.

Maiores viagens

Mesmo o cético Atak muito admira o entusiasmo praticamente devocional de todo um pessoal na área. Serei otimista: o desafio podem não ser um maior problema se o fazemos ser entendido, e abordado num cruzamento adequado de linhas de pensamento e informações, exponencialmente. Mas saberemos mesmo desenvolver trabalhos em equipe(s)? As pesquisas podem ser realizadas, ensina Aristides, com as ferramentas da própria área de investigação do tema estudado (“Histórias em Quadrinhos” ou “Jornalismo”), ou no ajuizamento de um campo pela disciplina de outros (o “jornalismo em quadrinhos” estudado pelo viés da linguística – digamos da literatura, mas isto provavelmente transformaria todo o jeito do próprio assunto...).
A contribuição de Jens Harder é um exemplo de grupos e viagens, aproveitando datas e eventos, financiamentos e até sítios turísticos, mas não raro conduzindo seus próprios meios de difusão, gerando discussão sobre as relevâncias – intra e extra-específicas à “mídia” das revistinhas, mas sobretudo mundanas, como torcidas (alemã, na Suíça, no caso) de futebol ou mesmo passeios pelas paisagens da “boa vida” de um outro artista do grupo a debulhar a cidade. Neste ramo, o sujo e o edificante ainda se relacionam: como esferas culturais, cronogramas, bairros e olhares – e como busquei relacionar os temas, como que transversais, que pude presenciar e acompanhar, mesmo numa frequência falhada ao evento...